sábado, 30 de outubro de 2010

Meu negócio é reticência...

O meu sentido é outro.
Não quero ser verbo dito,
Não quero fazer sentido.
O meu sentido pode ser tanto olfato, quanto tato.
E quanto tato.
Não é questão de teoria da prática
É de quem toca pra quem toca
Não quero encadernar
São só idéias que eu não quero ver com organização lógica raciniana.
Quero poder colar, uma por cima da outra
Sem ter que dizer a ninguém o espaçamento que há entre elas.
Elas são tão minhas, humanas, tortas e orgânicas quanto eu mesma
Que já sou lógica, fazendo sentido e raciniana o suficiente 
Pra não querer ser mais um pouco nas idéias. 
Gosto dos cheiros, dos livros velhos puídos, dos delírios febris com Peter Pan
Das roupas largas macias, dos biscoitos quebrados, das flores despetaladas.
O meu negócio nunca foi ser explicada, didática, entendida
Sempre fui da turma dos sentidos, de quem cheira, de quem pega, de quem sabe.
Sou da ala dos que sentem...
Sem ponto final

domingo, 24 de outubro de 2010

O (Des)assossego




Eu sou do desacerto, do desassossego.
Sossegada, aquieto o facho
E aquietada nada me esquenta.
A minha inquietude que é que me é rica
Que me dá conflito, que diz dói e que dá poesia.
Eu, quietinha, não faço nada
Sou feito lagarta encasulada
Não sirvo nem pra borboleta, nem pra lagarta
E quem quiser me assossegar que não se esqueça:
Nasci pra viver perturbada.
Que eu calada, quieta, curvada, não sirvo pra nada.
Sou passarinho de asa quebrada,
Sem vôo, morro.
Sou moça (doente).

Elisa, primitiva poesia.




Uma saudade das mulheres gordas na prateleira. 
Da cortina bege comprida, do monte de bibelôs e bonequinhos que eu, na minha ânsia de criança, queria tanto mexer. 
Saudade da lua que menstrua. 
Do recital-castelinho-mal-assombrado aos 6 anos
Saudade da capa descascada do meu livro de Elisa,
dos olhos verdes, da voz rouca e linda que me disse pela primeira vez como é que é que é que é a poesia - que eu não compreendia. 
E pra quem disser que a minha voz é rouca, digo:
"Minha voz é rouca, firme e preta, feito minha poesia: cheia de Elisa."
Ai que saudade desse cheiro. 
Meio limão, meio ervas de banho, meio perfume francês.
Minha cabeça batia na altura da mesinha
Ai que saudade da primitiva poesia.

Elisa Lucinda: minha poetisa constituinte.

Só de Sacanagem - Elisa Lucinda




sábado, 23 de outubro de 2010

Beta, Beta, Bethânia de Caio Fernando Abreu.


Os muitos darks que me perdoem, mas Maria Bethânia é fundamental. Sei, vocês vão dizer que ela é brega, careta, exagerada, melodramática. Pode ser. Mas essa coisa chamada vida onde estamos metidos até o pescoço, às vezes não é brega, careta, melodramática? A Vida é mais Nelson Rodrigues ou mais Clarice Lispector? Mais Augusto dos Anjos ou Emily Dickinson? Fassbinder ou Jacques Demy? Philip Glass ou Dead Kennedys? Mais Sex Pistols ou mais Cecília Meireles? Bukowski ou Bergman?

Tudo isso, sim, e muito mais. O engarrafamento às seis da tarde de uma sexta-feira de chuva, na marginal do Tietê, pode ser uma emoção-Titãs (tipo Bichos Escrotos). Transar com a garota prostituta da rua Augusta, de minissaia de couro e correntinha no tornozelo pode ser uma emoção-Dalton Trevisan. Dar um espirro bem na hora de dizer eu-te-amo pode ser uma emoção-Woody Allen. Assim por diante, cada coisa sendo uma coisa diferente. Porque o que vai sendo vivido e sentido por cada um é tão particular que, mesmo lugar comum ou já cantado em prosa e verso, é para sempre também único. Infinitiva e indivisivelmente subjetivo.

Nossa, como estou me dispersando. O que quero dizer é muito simples – adoro Maria Bethânia. Por um tempo, aposentei Eurythmics, The Cure, Talking Heads, Legião Urbana, Sting, Paul Simon – só consigo Bethânia.

Ando tomado por emoções-Bethânia. Essas, que estão morrendo à míngua, poque não é moderno ter emoções. Não é in sentir amor, envolver-se. Ficou out dizer coisas como “quero ficar com você/ e é tão fundo que eu posso dizer/ que o fim do mundo não vai chegar mais” ou “parece bolero/ te quero, te quero/ dizer que não quero/ teus beijos nunca mais” ou “quando os caminhos se separam/ não tem razão que dê mais jeito” ou “é tão difícil ficar sem você/ o teu amor é gostoso demais”. É burro cantar coisas que eu, tu, ele, nós sentimos? É brega ter desejos e carências e dores e suspiros assim, de gente?

Sentir não é brega. Ao contrário: não existe nada mais chique. Emocione-se e seja o rei de sua insensatez. Seja nobre, seja divino no desconcerto das emoções. Maria Bethânia é muito chique, e quase ninguém está vendo isso. Em Dezembros, sem querer fazer nenhuma revolução, ela chega e diz: “Dá licença, rock and roll, que a titia vai cantar o amor”. E eu peço: Crianças, cessem as guitarras, os teclados, os sintetizadores – um minuto só – e prestem atenção na voz quente dessa mulher linda do jeito inverso da beleza, cantando (que ousadia!) o amor.

Sei: a Aids está solta, e o que era possibilidade de amor agora é possibilidade de morte. Nem por isso é possível parar de amar. Você consegue? Eu, não. E não tenho medo. Sem platonismos, nem zen-budismos: quero que pinte o amor-Bethânia, dançar de rosto colado, pegar na mão à meia-luz, desenhar com a ponta dos dedos cada um dos teus traços, ficar de olho molhado só de te ver, de repente e, se for preciso, também virar a mesa, dar tapa na cara, escândalo na esquina, encher a cara de gim, te expulsar de casa e te pedir pra voltar.

Darks, pós-modernos, minimalistas, gliters, apocalípticos, concretistas, skinheads, me perdoem. Na noite de sábado, caminhando sozinho pela avenida Paulista, o quarto-crescente brilhando sobre a torre da TV Globo, uma vontade desesperada de ter alguém – as únicas canções que me vieram à mente para cantar baixinho foram canções de Bethânia. Doía fundo estar perdido na grande cidade, era completamente sem remédio ser só uma pessoazinha machucada. Mas brotou então um orgulho tão grande de ser ainda capaz de sentir o coração cheio de emoções-Bethânia que era quase como uma felicidade. Sangrada, do avesso – que importa? Era real, era vivo. Isso é muito, e Bethânia canta.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Preciso escrever

Que quando tudo acontece junto a gente preciso de um buraquinho pra respirar. 


Quero que Selminha entre, quero resolver emprego, quero não precisar, quero conseguir terminar os trabalhos iniciados, quero concretizar ideias já formalizadas, quero me posicionar, quero conseguir ser curta e grossa, quero conseguir dormir, quero dar vazão à Fedra, quero ser suficiente pro que me pede que eu seja suficiente, quero dar conta. Mas antes de tudo não quero só por querer. Os meus quereres tem fundamento.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Grito no travesseiro

Se eu não saio correndo pelo mundo, se não me jogo de um penhasco e se não vou morar numa caverna é porque sou covarde. Não porque sou corajosa demais: é o contrário: SOU COVARDE! Se não deixo as pessoas, se não deixo os sistemas, se não deixo à mim mesma. Covardia.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

(des)encaixe

Nada disso cabe, nada disso serve.
Ou por não servir, serve. Não servir sempre me serve de alguma coisa.